Como a história julga o presidente?
Alceu A. Sperança
Se o distanciamento do vírus ajuda a evitá-lo com maiores chances, só se pode julgar historicamente um presidente com o distanciamento no tempo. No curso do mandato ou por impressões pessoais, o risco de apreciações distorcidas é imenso.
Mal comparando, crianças têm os pais como heróis. Já adolescentes, supõem que os véis são quadrados, por fora da onda. Adultos, começam a entender o sacrifício que os pais passaram para tocar a vida difícil e criá-los ao mesmo tempo. Idosos, voltam a ter a memória dos pais como heróis ou os esquecem por demência.
Com presidentes, o período de heroísmo é maior na campanha eleitoral, quando prometem tudo e o melhor. Alguns conquistam votações expressivas, como Campos Sales. Mas se não entregam alguma coisa boa, em um ano podem passar de heróis a vilões.
É habitual na escolarização, sempre sintética e sumária, aprender que a história julga seus líderes com base no estudo de pontos fortes e fracos. Em geral, o ponto mais forte é a votação recebida: o maravilhoso capital de confiança decretado pelas urnas é um valor que deveria render juros em cascata com uma boa gestão.
Erros destroem capital político
Mas aí entram os pontos mais fracos: a gestão sem planejamento, a escolha do ministério fragmentado, os estranhos contratos firmados, os interesses contrariados, os amigos que se julgam traídos, ignorar políticas de Estado, deixar-se afundar por amigos ursos e suportar parentes sem noção.
O que aconteceu com o marechal Deodoro da Fonseca, primeiro presidente da República, foi de cortar o coração. Ele derrubou e expulsou do país um amigo ao qual jurou obediência gritou “Vivas!”, o imperador Pedro II.
Na gestão, atrapalhou-se de tal maneira que nem tendo Ruy Barbosa como seu ministro da Economia conseguiu se salvar.
O ponto forte do presidente Deodoro era a força militar, porque não foi eleito. Dramaticamente, foi o racha nas forças que o levou a perder terreno ao vice, o marechal Floriano Peixoto. Que também fracassou por conta das divisões entre militares - vide Manifesto dos 13 Generais.
Floriano ameaçou o STF, que não se curvou. Esmagou rebeliões nos estados e foi considerado ditador por não respeitar a Constituição. Para compensar a perda de apoio na área militar se aproximou dos ricos paulistas e por isso respeitou as urnas quando elas elegeram o primeiro presidente civil, Prudente de Morais.
Prudente venceu 29 adversários. Fez sete vezes mais votos que o segundo colocado, Afonso Pena, mas assumiu um governo em cacos. Floriano sequer foi à posse para lhe entregar as chaves do palácio.
Barão positivou Prudente
Como Prudente se virou? Foi dureza porque enfrentou os florianistas que haviam gostado de mandar e ficaram sem as tetas. A Revolução Federalista continuava e ele decidiu o feijão com arroz: fez um acordo com os rebeldes gaúchos e deu força aos cafeicultores, classe que representava politicamente.
Com o Brasil atacado pelos franceses, Prudente pôs os militares de lado e fez um lance diplomático genial recorrendo ao arbitramento suíço - o costureiro foi ele, o grande Barão do Rio Branco.
Quando pôs os militares em ação, ocorreram desastrosas expedições a Canudos, que até hoje mancham a história da Primeira República. Prudente depois disso sofreu um atentado a bala que rendeu acusações ao vice-presidente Manuel Vitorino, ligado ao florianismo.
Os primeiros governos republicanos militares, portanto, foram desastrosos por conta da polarização interna entre as forças. O primeiro presidente civil, por sua vez, também teve um governo de altos e baixos, deixando para o sucessor, Campos Sales, o país em... crise, sempre ela!
As irmãs do imigrante
O capital político de Sales, que uniu o País ao defender a anistia aos revolucionários federalistas, foi espantoso: elegeu-se com 91,52% dos votos. Mas aí a gestão começou e os imigrantes italianos se queixavam da brutal exploração que sofriam por parte dos fazendeiros paulistas.
Como família costuma complicar presidentes, Sales teve o irmão Diogo, um dos fazendeiros exploradores, assassinado em 1900 por um imigrante que se vingava dos abusos cometidos por um sobrinho do presidente com três irmãs do colono.
E a política? A oligarquia representada por Sales a controlava por meio de fraudes eleitorais. Vem daí a famosa Política do Café com Leite, que era a alternância e/ou combinação do poderes entre os fazendeiros paulistas e mineiros.
Sem depender de políticos, que ele mesmo fabricava, Sales fez um ministério de técnicos e controlava o país por meio da"política dos governadores”, também chamada"degola das oposições".
Mesmo que naquela época já dispusessem das mais perfeitas urnas cibernéticas 2.0 ou impressoras de votos a laser, a fraude eleitoral sempre favorecia o poder, porque só eram reconhecidos como eleitos os candidatos ligados ao governador de cada Estado, por sua vez arregados com o presidente.
Já se pode imaginar leitores refletindo sobre como Sales conseguiu aqueles portentosos 91,52% dos votos...
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br