A falácia da ‘auditabilidade’ da votação eletrônica
Renato Sant'Ana
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) está promovendo o 6º Teste Público de segurança, com inscrições abertas para especialistas, instituições acadêmicas e órgãos públicos que vão testar o hardware e o software utilizados nas urnas eletrônicas. Serão selecionados 15 candidatos.
Nem o príncipe Liév Nikoláievitch Míchkin (o idiota) imaginaria que os especialistas do cibercrime teriam interesse em participar.
Mas a iniciativa é correta. E não garante nada! Nem uma urna perfeita fecha o sistema para invasores. E não sendo possível a recontagem dos votos, não há como apurar fraudes nem resguardar a lisura do pleito.
Em 10/12/2012, num seminário organizado no Rio de Janeiro pela Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini (ligada ao PDT) e pelo Instituto Republicano (ligado ao Partido da República, PR), um hacker (custodiado pelo delegado de polícia Alexandre Neto e identificado apenas como Rangel por questão de segurança) mostrou como, através de acesso ilegal e privilegiado à intranet da Justiça Eleitoral no RJ, interceptou os dados alimentadores do sistema de totalização e modificou resultados para favorecer determinados candidatos.
Publicado há pouco, inquérito da Polícia Federal, até então tramitando em sigilo de justiça, apurou que, de abril a novembro de 2018 (abrange período eleitoral), um hacker esteve metendo o bedelho no sistema do TSE sem ser detectado. Ninguém sabe o que ele fez, inclusive porque o arquivo que registrava suas ações foi apagado por gente do próprio TSE.
Saliente-se que a urna não foi a porta de entrada para o hacker que fraudou eleições no RJ nem para o que invadiu o TSE em 2018.
O cibercrime se expande. Hackers têm invadido "servidores"de grandes empresas para extorquir dinheiro. E já invadiram sistemas do exército, do STF, do STJ, entre outros, sem falar da NASA, do governo dos EUA e do
parlamento alemão.
Porém, a urna poderia dar solução. E aqui está o furo: existem urnas eletrônicas de 1ª, 2ª e 3ª geração. Mas o TSE adota uma geringonça da 1ª geração, que, ao contrário das mais evoluídas, não permite imprimir o voto, impedindo a recontagem: nossa votação não é auditável!
É incrível! Além do Brasil, apenas Bangladesh e Butão usam urna eletrônica sem comprovante do voto impresso. Demais países que têm votação eletrônica adotam urnas com impressora.
O engenheiro Amílcar Brunazo Filho, um especialista em segurança de dados e, naturalmente, experto em criptografia, que há muito se dedica a estudar o problema, demonstra que nosso sistema de votação eletrônica não permite detecção de fraudes.
Em compensação... o TRE-PE (Tribunal Regional Eleitoral do Pernambuco) faz saber que, para a escritora Djamila Ribeiro "os equipamentos, adotados no país desde 1996, são transparentes e confiáveis". Então tá.
O TRE-PE também diz que o Teste Público de Segurança chama todos os cidadãos a colaborar no aperfeiçoamento dos mecanismos de segurança e (sério!) na auditabilidade das eleições.
Com efeito, embora sem conhecimento técnico para opinar, atores da Justiça Eleitoral apregoam a infalibilidade do sistema.
Não há como não ficar com uma pulga atrás da orelha.
Tudo bem, alguém muito crédulo pode mesmo achar que a votação eletrônica é absolutamente segura e que o voto impresso para uma eventual
recontagem não passa de um exagero.
Entretanto, como explicar a obstinação dos opositores do voto impresso e sua exagerada campanha contra um exagero?
Definitivamente, o voto impresso não é um exagero, mas uma cláusula de transparência. E quem pode honestamente ser contra a transparência? (Foto: Antonio Augusto/TSE)
Renato Sant'Ana é advogado e psicólogo - sentinela.rs@outlook.com