Fraude nas eleições? Vamos às provas
Alceu A. Sperança
Perdedores suspeitando dos resultados das eleições é coisa antiga, já que a primeira fraude se deu logo na primeira eleição, aquela em que Martim Afonso de Sousa transportou de Portugal para cá o eleito e todos os eleitores, em 1532 (https://bit.ly/37usFpW).
Pior, pela violência, foi o pleito de 1840, quando o imperador Pedro II ainda era um fedelho. Marcado para ser a salvação nacional, uma espécie de Mega Sena em que todos ganhariam, passou à história como as Eleições do Cacete.
Nenhuma novidade, na época o Brasil estava uma bagunça só. Ninguém se entendia e as bolhas brigavam aos gritos. A dois meses da festinha de 15 anos do imperador, em outubro de 1840, foram realizadas as eleições que finalmente deveriam dar fim às badernas e incompetências governamentais no Brasil.
Depois de simular a maioridade do meninote imperador, para evitar os conservadores no governo e vencer as eleições de qualquer maneira, os liberais promoveram um festival de crimes eleitorais, com tiroteios, pancadarias e muita gente machucada.
Como na época funcionava um tipo de voto auditado, pelo qual o coronel podia saber em quem seus áulicos votaram, os liberais venceram, mas com tanta violência que não tiveram permissão para assumir de imediato as cadeiras na Câmara.
O conservador Hermeto Carneiro Leão, futuro Marquês do Paraná, alegou que deputados eleitos com métodos fraudulentos não teriam condições de pacificar o Brasil.
E assim os conservadores, com um carroção de provas, alegaram fraudes em pencas pelo país afora e travaram a posse dos eleitos.
Abutres esfaimados
Sem assumir, vendo os conservadores montando um novo governo, os liberais abriram o berreiro. Para eles, o país vivia tempos calamitosos, em estado de extraordinária inquietação, receoso da segurança de suas instituições, feridas por um Ministério anormal, com a “rudeza despótica, própria só de um Governo imbecil".
Ao ignorar o resultado das urnas, o plano satânico do governo conservador, sob as inspirações do despotismo, criou germes que em breve se desenvolverão e aniquilarão as esperanças do Brasil de consolidar a liberdade (Declaração de 12 de janeiro de 1842).
Davam início, a partir desse pronunciamento, aos preparativos da Revolução Liberal.
Avisaram que uma ditadura até pode simular a resolução de problemas, mas o terror perde a força à proporção de sua duração, e acaba por fim pela insurreição dos oprimidos.
“Nunca abutres tão esfaimados prearam as entranhas do Brasil, nunca antes imundas harpias enxovalharam o solo puro do Império de Santa Cruz".
Denunciavam ao imperador a medonha vida pública do Ministério, que desonra o Brasil e atraiçoa o monarca, fazendo-o parecer aos olhos do povo “não como o Pai que é, mas como o Tirano, que não é, dos seus povos".
Na borda do abismo
Em resposta, o imperador, esse “pai" de 16 anos, dissolveu a Câmara em maio de 1842 e alguns dias depois amargava o início da revolução em Sorocaba.
Os liberais se insurgiam contra a oligarquia sedenta de mando e riquezas, hidra de trinta cabeças que por mais de uma vez tem levado ao Brasil à borda do abismo, proclamava Rafael Tobias de Aguiar.
Quase dois séculos depois de muitas bordas do abismo, eis que vem a pandemia, a crise econômica e o governo é entregue ao Centrão, bloco de parlamentares onde conservadores fingem ser liberais e liberais agem como conservadores.
Distração para deixar que os graves problemas do país se resolvam por si mesmos, a tese do voto impresso levou uma surra na comissão especial da Câmara que estudou a questão, depois que milhões de pessoas iludidas se engajaram na tese, ignorando desemprego, carestia e indústria aos cacos.
E fim de jogo
O jogo acaba com o Centrão aproveitando o besteirol geral para passar a boiada do volumoso código eleitoral, um cartapácio que viciados leitores de tuítes não tem paciência para ler nem cultura jurídica para entender.
Sem debate popular, escondido pelo foco dado às irrelevâncias briguentas das redes insociais, até o corpulento monstrengo do distritão ia arrombando o já elitista sistema eleitoral.
Venceu a fraude? Tudo indica que sim. O Mensalão e o Petrolão inflaram as bancadas do PT e mais duas dezenas de partidos ligados por laços diversos ao Centrão.
Muitos se elegeram financiados por esquemas de corrupção, o que faz de todo o processo eleitoral uma fraude, já que o critério para a distribuição de recursos do Fundão Partidário é o número de parlamentares eleitos.
Eleitos beneficiados por esquemas corruptos seriam o quê? Obviamente o grosso do financiamento das candidaturas veio de fraude. Os partidos favorecidos pela corrupção aumentaram assim suas bancadas por esse o vício de origem, nada a ver com as urnas eletrônicas, que a Polícia Federal já atestou como seguras.
Toneladas de papel
Será que as Eleições do Cacete, com toneladas de papel, tinham alguma chance de dar certo? Na verdade, o sistema eleitoral sempre foi ruim, mas nem tanto quanto os métodos usados hoje e sempre pelos donos do poder econômico.
Para garantir a eleição de deputados liberais em 1840 foi armado um esquema que previa desde a troca de presidentes das mesas receptoras de votos até o recrutamento de soldados e policiais para ajudar nas fraudes.
Bandos de homens armados, que se identificavam por um lenço amarrado ao pescoço (os “papos amarelos”), usavam a força para controlar a votação. O conteúdo apapelado das urnas era substituído, alterava-se a contagem de votos e falsificavam-se as atas.
Nem as urnas eletrônicas avalizadas pela Polícia Federal, se fosse possível tal avanço naquela época, dariam resultados melhores, considerando tais métodos de manipulação do eleitorado. Na época, as provas de fraude foram robustas. Não eram fantasias delirantes.
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br