Um mau cheiro no ar
Fernando Grostein Andrade
O cinema é uma janela de perspectiva histórica. Basta assistir a "A Lista de Schindler", "Arquitetura da Destruição" ou "A Escolha de Sofia" e olhar para as manifestações neonazistas nos EUA, sobre as quais o presidente Donald Trump disse ter havido erros "de ambos os lados".
O cheiro piora com a detenção de crianças imigrantes, sob o slogan "a América em primeiro lugar". Se o nacionalismo era o último refúgio dos canalhas, atualmente é o primeiro.
Esses filmes também dão perspectiva à encruzilhada brasileira, inflamada pela burrice artificial dos lucrativos algoritmos das redes sociais.
Serão os machucados partidos políticos capazes de deixar de lado a pequenez da disputa de poder para se unir contra o nazismo disfarçado? Hitler tomou o poder pela via democrática e nutrido pelos ingredientes muito semelhantes aos que temos hoje: desesperança, crise econômica, nacionalismo e a fabricação de inimigos da pátria.
A eleição de Trump parecia piada e aconteceu.
Ao longo dos anos FHC e Lula, conseguimos estabilizar a moeda, a economia, ganhar rumo, investimentos, ampliar políticas sociais de erradicação da miséria, acesso à universidade, celebrar a diversidade e até políticas de reparação da herança escravocrata.
O que nunca conseguimos é uma agenda comum, como reformas progressistas no campo econômico, da violência e da educação.
É inacreditável um partido que pretende ser social-democrata e outro que busca atender os interesses dos trabalhadores não terem se unido para reformar os impostos regressivos, que fazem com que os pobres paguem proporcionalmente mais do que os ricos; ou não terem acabado com o caixa 2; ou não terem desarmado a bomba do rombo da Previdência de forma legítima, acabando com privilégios grotescos como a bilionária pensão a filhas de militares (alô, militares, para defender o Brasil, comecem pelas finanças).
Ou mesmo uma nova lei de drogas --a exemplo do Canadá e do Uruguai e dos estados da Califórnia e do Colorado-- que pare de desperdiçar dinheiro e matar inocentes e policiais, enxugando gelo na tentativa de erradicar drogas.
Caminha para a Presidência da República um candidato que já defendeu assassinato de presidentes, o fechamento do Congresso, espancamento de filhos homossexuais; que considera ter uma filha mulher uma "fraquejada", ou ainda, considera descendentes de escravos como preguiçosos. Alguém que já planejou atentados a bomba e que é acusado de fazer apologia do estupro.
É espantoso ver economistas que, na ambição de serem uma espécie de cardeal de Richelieu (1585-1642), um misto de conselheiro do rei com inocente útil, envergonham nosso potente setor financeiro.
Fico imaginando qual pirueta linguística os líderes do PSDB e do PT vão criar para justificar uma omissão, caso esses partidos não sejam capazes de se unir para impedir a instalação do nazismo disfarçado.
Fico imaginando a desculpa do Facebook daqui a uns anos por ter permitido que sua plataforma fosse usada nos EUA e agora no Brasil (de outra forma) para fomentar isso.
Aos líderes: enquanto ainda é tempo, impeçam o cinema de futuramente revelar sua omissão histórica e estejam na história como vocês merecem.
Fernando Grostein Andrade é cineasta e escritor