A formiga zumbi e o bode Fundão
Alceu A. Sperança
Não sendo impressionáveis, nossos leitores não se deixarão levar pela teoria segundo a qual os fungos são os seres prediletos da natureza, desbancando o homem.
As onipresentes formigas, pelo menos, já foram desbancadas: há fungos, caso do Ophiocordyceps camponoti-rufipedis, que atacam os cérebros de formigas e as controlam.
Na política, pelo menos desde 1986, com a vitória do Centrão na Assembleia Constituinte, os governos funcionam como formigas cujo cérebro é sistematicamente controlado pelas artimanhas e manobras desse grupo.
Veja-se agora o caso do Fundão eleitoral de impressionantes 6 bilhões, enfiado sorrateiramente na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2022 com o voto zumbi de parlamentares governistas, inclusive os filhos do presidente.
Nenhuma surpresa para quem já conhece a velhíssima história do bode russo.
Consta que um camponês miserável se encheu de coragem e foi bater na porta do palácio para se queixar. O czar, malandro como é quem não precisa trabalhar, disse que atenderia à reclamação se o camponês provasse fidelidade ao trono cumprindo uma pequena tarefa: manter um bode sagrado em sua sala por um mês, ao fim do qual seus problemas seriam resolvidos.
Tirando o bode
Dias depois, desesperado com o fedor do bode, o camponês foi novamente ao palácio, agora para se queixar do bode. Ao o czar perguntou:"Tirando o bode você para de reclamar?...”
O Fundo inflado é um bodão enorme. Para tirá-lo da sala, basta podar dois ou três bilhõezinhos e todos ficam satisfeitos. Só que, atenção, mesmo podado o Fundão ainda será escandalosamente maior que antes.
Quem tem transporte fácil, amigos ricos, apoio popular e internet não precisa de bilhão nenhum para fazer campanha.
O Fundo exagerado foi outra manobra indecente do Centrão que todos comeram com farinha, ansiosos por manter seus mandatos.
Como os velhos mascates que punham os preços nas nuvens, deixaram margem a pechinchas. Nunca pretenderam 6 bi, apesar do vai que cola: só queriam qualquer coisa mais que 2 bi.
A cota de malandragens só cresce. A história do voto auditável, por exemplo. Milhões de pessoas iludidas se engajam na campanha e quando faltar um minuto para o fim do segundo tempo o Centrão dirá: atendemos ao seu desejo, nobre povo brasileiro. O voto já é auditável, pois pode ser recontado. E mais uma vez as formigas políticas estarão sob o domínio do fungo malandro.
Primeiro das Américas
O Brasil foi a primeira nação das Américas a ter eleições e também foi onde primeiro houve fraude eleitoral. Provas?
Ainda muito antes de haver EUA, a eleição foi em 1532, na Capitania de São Vicente, instituída por Martim Afonso de Sousa.
O primeiro eleito foi um dos 400 embarcados de Portugal para o Brasil a serviço do próprio Sousa, que já trouxe consigo o eleito e os eleitores numa tacada só.
O folclore sobre roubalheiras eleitorais é imenso, mas das modalidades de votos auditáveis as mais curiosas foram as bolas de cera portuguesas.
A cada três anos, desde Sousa, votava-se para juiz, vereadores e procurador. O eleitor votava em seis figurões que iam de fato eleger os três, segundo as Ordenações do Reino (Portugal). Complicado? Isso ainda é só um terço da missa.
Escolhidos os seis, eram divididos em três grupos de dois. Mais auditável, impossível: cada grupo de dois escolhia quem iria verear por um ano.
Logo depois de ser escolhidos, os seis eleitores finais escreviam os nomes dos eleitos em pequenos papéis (antepassados do voto impresso) que eram guardados dentro de bolas de cera (pelouros).
Depois as pelotas eram enfiadas num saco e devidamente guardadas num cofre. O cofre tinha três fechaduras, logo também havia três chaves. Cada chave ficava com um dos três vereadores da Câmara. O cofre só poderia ser aberto, portanto, pelos três em conjunto.
O segredo das bolas de cera
Ao fim de cada ano, em um sábado entre fins de novembro e inicio dezembro, o povo era convocado a assistir à cerimônia de abertura dos pelouros, ocasião em que seriam revelados os nomes dos vereadores que fariam parte da Câmara no ano seguinte.
Os donos das três chaves abriam o cofre e tiravam os pelouros do saco. Ah, o saco também era repartido em três partes: de um viria o nome do juiz, de outro o do vereador e do terceiro o procurador.
Uma criança metia a mão no saco e tirava a bola de cera com o nome do escolhido. Difícil saber o que acontecia com o saco cívico fora desse sábado solene. Alguém tem um palpite?
Hoje, precisamos de sugestões para deixar de ser eleitores-formigas zumbis do Centrão. Para as formigas parece já haver uma saída: os pesquisadores das universidades de Universidades de Copenhagem (Dinamarca), Viçosa (Brasil) e Pensilvânia (EUA) descobriram colônias de formigas que já conseguem se livrar dos fungos escravagistas.
Se elas conseguem, talvez os brasileiros também consigam fugir à sina de zumbis políticos do Centrão.
Alceu Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br