Fake news sobre fake news
Editorial Estadão
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luiz Fux, afirmou que a legislação manda anular a eleição cujo desfecho tenha sido influenciado pelas chamadas fake news. Segundo ele, "o artigo 222 do Código Eleitoral prevê inclusive a anulação" se "o resultado de uma eleição qualquer for fruto de uma fake news difundida de forma massiva e influente no resultado".
No referido artigo, contudo, não há nenhuma alusão ao que hoje se denomina fake news - e que, na época em que a lei foi editada, em 1965, provavelmente seria chamada simplesmente de "notícia inverídica". O texto do Código Eleitoral diz que "é também anulável a votação quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso de meios de que trata o Art. 237 (abuso de poder econômico ou desvio de autoridade em desfavor da liberdade de voto), ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei". Assim, pode-se dizer, com o perdão da blague, que a ameaça de anular uma eleição em razão de fake news é, em si mesma, fake news - ou seja, não tem correspondência com a realidade, prestando-se somente a dar a impressão de que a Justiça Eleitoral está vigilante contra os inimigos da democracia.
A retumbante declaração do ministro Fux - e não é a primeira vez que ele a faz - lança luz sobre alguns problemas importantes de interpretação, pela Justiça Eleitoral, desse fenômeno tratado como radicalmente novo, mas que é tão velho quanto a política e as eleições - a mentira destinada a destruir adversários.
Ao afirmar que uma eleição pode ser anulada se houver disseminação em larga escala de informações falsas sobre este ou aquele candidato, o ministro Fux está a dizer que qualquer eleição pode ser anulada, e que muitas eleições no passado - para não dizer todas - deveriam ter sido questionadas, pois não há nem nunca houve pleito em que candidatos não disseminassem maldizeres e falsidades sobre seus adversários. Ademais, sugerir que alguém ganha ou perde uma eleição porque robôs em redes sociais replicam notícias falsas sobre este ou aquele candidato é presumir que todos os eleitores sejam incapazes de fazer suas escolhas de forma consciente, o que justificaria a ação do poder público, na forma de censura. Ou seja, amputa-se a democracia a título de protegê-la - tudo isso, claro, feito com o maior cuidado, como garantiu o ministro Fux, ao dizer que a eventual anulação de uma eleição em decorrência de fake news deve ser precedida de "um amplo acervo probatório, uma cognição, conhecimento profundo daquilo que foi praticado".
Não se deve, com isso, dizer que se trata de um problema menor. Fake news, em geral produzidas e divulgadas por perfis anônimos, envenenam o debate eleitoral, trazendo falsas questões para o centro das atenções, deixando em segundo plano o que importa para o País e estimulando a radicalização. Para combatê-las, contudo, a única arma é a informação de qualidade, proporcionada pelo jornalismo profissional e independente, além da rigorosa aplicação das leis que protegem a honra.
O ministro Fux, porém, acredita que seja possível combater as fake news com "poder de polícia". E aos que acreditam ser praticamente impossível impedir a disseminação desse tipo de falsidade numa eleição, o magistrado esbanja otimismo: "Não podemos manifestar passividade, condescendência e desânimo no combate (às notícias falsas), porque isso representaria uma proteção deficiente dos institutos democráticos e da própria eleição. Nós seremos absolutamente incansáveis contra as fake news". Ele aproveitou para atacar os "discursos derrotistas" e disse que o "desânimo" dos pessimistas é "limítrofe à leniência".
Quem dera o País pudesse compartilhar do ânimo do ministro Fux com o poder da Justiça Eleitoral de impedir que os candidatos recorram a mentiras na eleição. Mas, considerando-se que essa mesma Justiça não pune candidatos que fazem campanha fora de época e que só conseguirá julgar as contas da campanha de 2018 em 2023, não se pode condenar quem veja muita fanfarronice nessa cruzada contra as fake news.